terça-feira, 9 de agosto de 2011

Melancolia

Melancholia @ 2011 @ dirigido por Lars von Trier

O filme já abre em uma sucessão de lindas sequências estilizadas. Enquanto acompanhamos cenas na Terra, vemos também a aproximação de um planeta chamado Melancolia, que passou todo esse tempo escondido atrás do sol. Lars von Trier e a direção de arte do filme conseguem, já nos minutos iniciais, capturar toda a atenção do espectador: somos apresentados a alguns devaneios da protagonista; algumas conseqüências do choque atmosférico entre dois planetas; dentre outros belos planos, mostrados num bem realizado slow-motion. Entramos de vez na história de “Melancolia”.

Escrito e dirigido pelo próprio Lars von Trier, este é, até então, o seu mais belo filme. Belíssimamente fotografado por Manuel Alberto Claro, toda a estética do filme, seja nas cenas mais estilizadas ou nas mais convencionais, é muito bonita – excelente trabalho da direção de arte, que compõe de maneira simétrica, por exemplo, a iluminação e a composição dos elementos de cena que compõem o jardim da mansão onde se passa o casamento. Sim, em “Melancolia”, somos apresentados a um casal de noivos: Justine (Kirsten Dunst) e Michael (Alexander Skarsgård), que já em direção ao matrimônio enfrentam um pequeno problema. Toda a festa está sendo organizada pela irmã de Justine, Claire (Charlotte Gainsbourg), às custas do marido dela, John (Kiefer Sutherland). O núcleo de personagens coadjuvantes inclui também John Hurt como o bem humorado pai das duas, e Charlote Rampling como a amarga mãe. Stellan Skarsgård interpreta o chefe de Justine, que também está no casamento.

O roteiro do filme é bem escrito e bastante original – a história do casamento de uma mulher depressiva às vésperas do fim do mundo. Dividido em duas partes, a primeira se chama “Justine”, e a segunda, “Claire” – deixando bem claro que, apesar de uma gama de significados, o filme enfoca bastante o sentimento fraternal entre as duas irmãs.

* Esses dois parágrafos só devem ser lidos por quem já assistiu.

Na primeira parte do filme, vemos o casamento de Justine – e por um momento, parece que estamos assistindo outro filme. Kirsten Dunst aparece radiante e sorridente, a princípio, mas a primeiro conflito entre seus pais recém divorciados dispara o gatilho emocional que ela carrega por dentro – é quando começamos a constatar sua depressão. A princípio, a maquiagem já não é a mesma, e seu olhar divaga – não demora muito para que vejamos em sua feição que elá está se controlando para não explodir. Não é à toa que esse papel lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes – é realmente um trabalho excepcional. Enquanto o casamento se desenrola, entretanto, vemos que sua irmã, Claire, está cada vez mais irritada por toda a situação – já que dedicou bastante tempo para agradar sua irmã. Durante toda a celebração, uma estrela no céu parece brilhar de maneira incomum.

Na segunda parte do filme, a depressão de Justine chegou ao limite – e é agora que Claire precisa mostrar todo o seu amor e carinho pela irmã (mas sem deixar de mostrar frustração por tudo que está acontecendo) – ao mesmo tempo, Melancolia, um planeta que estava escondido atrás do sol, entra em rota de colisão com a Terra. Nesse segmento, Justine parece entrar em um estado de aceitação e cinismo, enquanto Claire entre em total desespero, principalmente por temer pelo seu filho, Leo (Cameron Spurr), e pelo fim de tudo.

* A partir daqui, sem mais spoilers.

Intercalando um misto de sentimentos de maneira extremamente verdadeira, Lars von Trier cria mais uma obra-prima. A “melancolia”, que é um estado psíquico ligado a depressão, é usada de maneira alegórica para ilustrar o destino das duas irmãs. Na cena em que Justine vai ao jardim, que está diretamente iluminado pela Lua e por Melancolia, ela diretamente segue para o segundo, como se fosse sim a sua opção ser tomada por tal sentimento. E quando ela deita-se, nua, frente a luz do planeta, é como se ela fosse tomada de vez pelo sentimento, o que leva a sua “conformação” com tudo que está por vir. Quando sua irmã cozinha o prato preferido de Justine, em profunda depressão, ela come um pedaço e chora, dizendo apenas que a comida “tem gosto de cinzas” – uma maneira sensível de ilustrar o sentimento presente naquele momento. Os efeitos especiais do filme também estão muito bons – principalmente quando envolvem as conseqüências da aproximação entre os dois planetas, como choque dos campos gravitacionais e eletromagnéticos, os efeitos na atmosfera, dentre outros.

Com performances excelentes de Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg, “Melancolia” já se torna um dos melhores filmes do von Trier. Seus minutos finais me mantiveram na cadeira do cinema, e por um momento eu senti ter prendido a respiração – Um desfecho espetacular, para a obra de um diretor que, apesar de todas as controvérsias envolvendo duas declarações, ainda sabe como contar uma linda história.

10/10 

terça-feira, 12 de julho de 2011

Reino Animal

Animal Kingdom @ 2010 @ dirigido por David Michôd


A mãe de Joshua “J” Cody (James Frecheville) acabou de morrer devido a uma overdose de heroína. Sozinho, sua única opção é ligar para sua avó, Janine “Smurf” Cody (Jacki Weaver) para que ele possa morar com ela. A família Cody é conhecida por estar ligada a inúmeros crimes locais, e é composta também pelos três tios de J; Andrew “Pope” Cody (Ben Mendelsohn), Craig Cody (Sullivan Stapleton) e Darren Cody (Luke Ford). Pope está foragido, e seu parceiro nos crimes, Barry “Baz” Brown (Joel Edgerton) está ajudando a família nas investidas ilícitas. J é carne nova no pedaço, e a única oportunidade que o detetive sargento Nathan Leckie (Guy Pearce) tem de finalmente pôr um fim às atividades da família Cody.

“Reino Animal” é um filme australiano escrito e dirigido por David Michôd. Vencedor do Prêmio do Júri de Cinema Mundial: Drama no festival de Sundance, o filme é uma pequena odisséia mostrando como um adolescente precisa crescer à força para poder sobreviver num mundo de predadores. O reino animal do título já se mostra presente desde os créditos inicias, mostrando leões num quadro, para logo depois mostrar imagens de assaltos. A fotografia é excelente, abusando de um tom ciano, mas sem deixar de ressaltar outras cores mais fortes. A trilha sonora composta por Antony Partos também se mostra adequada em todo o contexto do filme.

David Michôd nos lança J como um garoto de 17 anos, neutro. Quase sempre apático, ele de certa forma acha interessante a dinâmica familiar, apesar de não esconder um temor por todos eles. Alguns valores conseguem falar mais alto, entretanto logo percebemos que o sangue Cody também flui em J, de certa forma. É sua neutralidade que atrai a atenção do seu tio mais velho, Pope, que desconfia de tudo que o garoto faz. Pope é a ovelha-negra da família, é o mais velho, o mais burro e o mais inconseqüente – quando percebe que o tempo está o deixando para trás, seu instinto de sobrevivência fala mais alto, como o de um animal – um trabalho excepcional do Ben Mendelsohn que torna quase todos os momentos do personagem em cena extremamente tensos já que ele é uma bomba relógio de instabilidade.

O elenco inteiro do filme não decepciona em nenhum momento. Guy Pearce também está ótimo, representando a força gravitacional que busca tirar J de toda aquela tormenta – ele sabe que o garoto é descartável perante os Cody. Joel Edgerton cria uma figura interessante como Baz, um crimonoso bem tradicional e educado, que já está cansado dos crimes e busca uma nova forma, lícita, de fazer dinheiro. A principal e mais incrível atuação do longa, porém, é a de Jacki Weaver, que nos mostra uma das figuras maternas mais assustadoras da todos os tempos – a vovó Cody é uma verdadeira fêmea selvagem, está a todo tempo rodeando sua prole, e o olhar sádico da atriz reforça ainda mais toda a maldade latente da personagem – o amor para com seus filhos é inegável, e chega a ser curiosa a maneira com que ela beija todos eles na boca. Seu sangue quer proteger J, mas o seu instinto quer justamente o oposto – um trabalho excelente que rendeu à atriz uma indicação ao Oscar de atuação coadjuvante e lançou seu nome internacionalmente.
Com slow-motions estilosos que focam bastante a naturalidade dos atores, o filme também apresenta algumas gags interessantes como na cena em que J é levado para interrogatório e ao seu lado está uma estátua de um cachorro sentado, em plena delegacia. Há também uma cena interessante em que, quando levado por Nathan até um hotel local para mais um interrogatório, a câmera foca apenas duas portas, com os números 6 e 7 respectivamente, como se o garoto tivesse que optar por seguir o lado do mal ou do bem (segundo a bíblia, 6 é o número satânico enquanto 7 é o número divino). Quando ouvimos “All Out of Love” ao mesmo tempo que vemos a feição desequilibrada de Pope, por exemplo, sabemos o quanto ele é, e se sente, deslocado.

Com um roteiro inteligente, contendo surpresas inesperadas e impactantes, essa pequena obra-prima merece todo o reconhecimento que teve. É um thriller de qualidade, ancorado por performances notáveis de todo o seu elenco. Fazendo um evidente paralelo com o título, o filme ressalta a idéia de que no mundo existem as pessoas fortes, que dominam, e as fracas, que são dominadas. Dentro do universo de “Reino Animal”, entretanto, quando você menos espera, um dos personagens finalmente dá a sua “mordida”.

10/10

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Louca Obsessão

Misery @ 1990 @ dirigido por Rob Reiner




Paul Sheldon (James Caan) é um escritor, bastante famoso pela sua série de livros envolvendo a personagem Misery Chastain. Um pouco pedante e extremamente ritualístico, o escritor tem certas manias, como a de, por exemplo, somente terminar um livro em Silver Creek, no Colorado. Ao terminar o seu primeiro livro fora da franquia que lhe tornou famoso, ele está indo em direção ao oeste quando é pego de surpresa por uma forte nevasca. Seu carro capota, e ele é socorrido pela enfermeira Annie Wilkes (Kathy Bates), e levado até a casa dela. Um detalhe importante: Annie se auto-intitula a fã número 1 do escritor.

Dirigido por Rob Reiner e escrito por William Goldman, “Louca Obsessão” é uma adaptação da obra de mesmo nome criada por Stephen King, e é considerado por muitos fãs do autor como uma das mais fiéis transposições para o cinema de uma das suas obras. O filme foi um grande sucesso na época, pela sua fiel retratação de um distúrbio mental assim como pela sua atmosfera pesada.

A princípio, Paul simpatiza bastante com Annie – pois além de ela sempre ressaltar a sua genialidade, ela está cuidando de todos os seus ferimentos (incluindo aí duas pernas quebradas e um ombro deslocado). É bem por acaso que surge o primeiro surto psicótico. Annie Wilkes é um personagem muito bem construído – Kathy Bates encarna com perfeição todas as desordens da personagem. Chega até a ser plausível que nem mesmo ela saiba o quanto é monstruosa. Suas oscilações de temperamento, a súbita mudança no tom de voz e na expressão. Sua obsessão por Misery Chastain a insere num pandemônio pessoal, fazendo com ela recorra a qualquer coisa pelo bem estar da sua tão amada personagem.

James Caan, entretanto, eu já não considerei no mesmo patamar de Bates. O trabalho dele não compromete, mas não senti a mesma dedicação tida por ela. Richard Farnsworth interpreta um xerife local, que está fazendo suas próprias investigações quanto ao sumiço de Paul, e Lauren Bacall interpreta a agente do escritor, que é a primeira pessoa a sentir sua falta.

Construindo o filme inteiro como um thriller, o diretor eventualmente se utiliza de algumas técnicas bem bacanas, quando por exemplo abre o filme com um cigarro, uma taça e uma garrafa de vinho só para depois nos mostrar, em retrocesso, que eles fazem parte do ritual de Paul sempre que termina um livro. E sua dedicação pelas suas obras é tanta que, ao notar que o carro vai derrapar, a primeira coisa que lhe vem a cabeça é segurar a pasta que contém o manuscrito original do seu novo livro.

“Louca Obsessão” caminha de maneira um pouco previsível, mas não decepciona em seu desfecho. O filme rendeu a Kathy Bates inúmeras premiações, incluindo aí um Oscar de melhor atriz, algo pouco comum para filmes do gênero - o que, entretanto, ressalva a qualidade da obra final.

7/10

domingo, 3 de julho de 2011

O Beijo da Mulher Aranha

Kiss of the Spider Woman @ 1985 @ dirigido por Héctor Babenco

Somos apresentados a uma pequena história, contada por alguém, de dentro de uma cela. As paredes dessa cela são repletas de curiosidades – desde as curiosas e saturadas peças de roupa às frases soltas, em português. Pouco tempo depois, descobrimos que quem conta a história é Luis Molina (William Hurt), um homossexual bastante afeminado que foi preso por manter relações sexuais com um menor de idade. A história está sendo contada para Valentin Arregui (Raúl Juliá), que está preso (e sendo torturado) por fazer parte de um grupo revolucionário de esquerda. Os dois dividem a mesma cela.

“O Beijo da Mulher Aranha” foi dirigido por Héctor Babenco, diretor brasileiro nascido argentino. O roteiro foi adaptado por Leonard Schrader a partir da obra de mesmo nome escrita por Manuel Puig. A trama do longa metragem nos apresenta um “filme dentro de um filme” – toda a história contada por Molina é mostrada ao espectador, e a brasileira Sônia Braga, neste que foi o filme que sedimentou sua carreira internacional, interpreta ao longo da projeção três mulheres diferentes.

É difícil dizer se o filme realmente se passa no Brasil, pois a ausência do português nos diálogos foi algo que realmente me deixou curioso. Fica claro, entretanto, que o filme se passa em algum país latino, visto que até mesmo as paredes das celas contém frases escritas em português. A presença de vários rostos brasileiros, entretanto, cria essa ilusão de filme nacional. A princípio a predominância do inglês foi algo que não gostei, mas com o passar do tempo a força do filme sobrepassa tal barreira, fazendo com que venhamos apreciar a história.

Milton Gonçalves está ótimo como o agente policial homofóbico que tenta forçar Molina a arrancar informações de Valentin. Herson Capri, Nuno Leal Maia e Miguel Falabella falando inglês já não conseguiram me convencer tanto assim, mas não comprometem o filme. É a dinâmica entre Molina e Valentin que realmente sustenta a projeção – e o diretor nos mostra progressivamente o quanto os laços se estreitam entre eles.

Desde os primeiros minutos sabemos que Molina é uma pessoa carinhosa e solitária – todas as suas investidas em Valentin ultrapassam o simples flerte – há um desejo maior ali, uma vontade latente de cuidar. A fragilidade em contraste com sua forma física é um dos grandes méritos da performance apresentada por William Hurt, que, não por acaso, lhe rendeu um Oscar de melhor ator. Valentin, entretanto, é o típico homem guerrilheiro que subitamente se vê preso ao lado de uma “bicha” (como ele mesmo diz, quando estoura). Seu senso de respeito, porém, é maior que tudo isso, e é linda a maneira com que os dois se abrem um com o outro (assim como também é triste ver quando os dois brigam). Em um determinado momento, seus crimes já nem são importante, pois vemos a humanidade presente em cada um deles. Sônia Braga também merece destaque por conferir um ar onírico à personagem das histórias de Molina. Ela interpreta também uma mulher que Valentin amou na vida real, assim como a “mulher aranha” do título.

“O Beijo da Mulher Aranha” acima de tudo, passa uma mensagem de amor e respeito que se mostram verdadeiras até hoje. Héctor Babenco conquista por sua incrível maneira de contar uma história. O filme foi indicado a quatro estatuetas no Oscar: melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro original e melhor ator. Um filme sincero, que se destaca em meios a tantas baboseiras lançadas pelo cinema nacional. E aqui mais uma vez a questão envolvendo a nacionalidade do filme, mas o que é que importa? É, acima de tudo, um lindo filme.

8/10

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Wendy & Lucy

Wendy and Lucy @ 2008 @ dirigido por Kelly Reichardt



“Wendy & Lucy” começa de uma maneira peculiar e minimalista, mostrando alguns vagões em movimento diante uma câmera estática. Tal iniciativa entra em contraste absoluto com a proposta do longa metragem (que não é tão longo assim), e ao mesmo tempo condiz com o que será mostrado.

Wendy (Michelle Williams) é uma jovem mulher que está indo em direção ao Alaska, em busca de melhores oportunidades financeiras. Suas únicas posses são o seu antigo carro, alguns suprimentos, um pouco mais de 500 dólares e sua cadela, Lucy, que é sua única companheira em todo o percalço. Ao passar por Oregon, seu carro quebra, e numa má sucedida tentativa de furtar alguns alimentos num mercado local, ela se vê detida – e o pior – Lucy desaparece.

O filme foi dirigido por Kelly Reichardt, roteirista e diretora bem falada no circuito alternativo de cinema, adaptado do conto “Train Choir” (coro do trem, em tradução literal) de Jonathan Raymond, que co-roteirizou o filme junto com Kelly. Bastante comentando em festivais de cinema, o filme gerou um merecido frenesi em torno de Michelle Williams, que chegou a ser cotada ao Oscar de melhor atriz no ano. Os méritos do filme, entretanto, não se resumem exclusivamente a tocante atuação de Michelle.

Wendy é uma figura extremamente simpática – meio andrógina, mas ainda assim extremamente doce, a personagem é o retrato perfeito da solidão. E quem melhor para ser amigo de um personagem tão solitário do que o “melhor amigo do homem”? A diretora aposta na química entre homem e animal, compondo um tocante equilíbrio em cena. Jogada em meio a figuras estranhas e carentes de hospitalidade, Wendy está cada vez mais solitária. Na cena em que tenta manter contato com sua família, por exemplo, podemos enxergar o quanto ela se sente excluída até mesmo por aqueles que carregam seu sangue.

Contado de maneira simples e minimalista, o filme é recomendado para aqueles que já passaram (ou que não subestimam) a força da solidão extrema. Filmado quase que inteiramente em tons frios, o filme nos obriga a simpatizar com Wendy, e muitas vezes eu quis entrar na tela só para poder abraçá-la. Num excelente trabalhado da Michelle Williams, ela consegue compor um personagem sozinho e ainda assim resistente, que não se importa em passar pelas mais difíceis situações em busca de uma meta, talvez por não ter mais nenhuma outra meta na vida, quem sabe – o que realmente é incrível é a fragilidade e condescência mostradas o tempo inteiro no olhar de Wendy.

Cru, simples, e de certa forma até mesmo poético – “Wendy & Lucy” é um filme que de alguma maneira consegue condensar todos esses adjetivos e ainda assim soar esperançoso. Carregado por um excelente trabalho da Michelle Williams, o seu desfecho pode desagradar alguns, porém há um mérito inquestionável no filme: ele pode não ser um divisor de águas, mas, sem sombra de dúvidas, é um filme extremamente verdadeiro.

8/10

sábado, 18 de junho de 2011

Contra o Tempo

Source Code @ 2011 @ dirigido por Duncan Jones


Um homem (Jake Gyllenhaal) acorda em um trem, ao lado de uma mulher chamada Christina (Michelle Monaghan). A mulher o conhece como Sean Fentress, mas ele aparenta não saber quem ele é. 8 minutos depois, uma bomba explode o trem, e subitamente o homem acorda em uma câmara, onde lhe é dito pela Capitã Colleen Goodwin (Vera Farmiga) que ele se chama Colter Stevens e está numa missão para descobrir quem está por trás do atentado que explodiu o trem – tal recurso só é capaz através do Cógido Fonte, um mecanismo que faz com que ele “volte no tempo” e tenha acesso aos últimos 8 minutos de vida de uma determinada pessoa, neste caso, Sean Fentress.

“Contra Tempo” é um thriller de ficção científica e o segundo longa metragem do diretor Duncan Jones, que despontou mundialmente com “Lunar”, estrelado por Sam Rockwell e ovacionado pela crítica especializada. O inteligente roteiro foi escrito por Bem Ripley, conhecido por ter escrito alguns filmes da franquia “A Experiência”. Duncan, que também é conhecido por ser filho de David Bowie, mais uma vez investe no gênero que lhe deu o estrelato, mas dessa vez com um elenco de peso e um orçamento bem maior.

O filme não adentra territórios desconhecidos, muito pelo contrário – o roteiro não se preocupa em explicar demais todas as questões científicas envolvidas no Código Fonte. A força da trama reside no fato de pegar uma fórmula já utilizada, aplicá-la com estilo e inserir no meio disso tudo uma sincera e inesperada carga dramática. Jake Gyllenhaal está excelente em seu papel, e logo na primeira cena, quando está completamente desorientado, nos oferece uma verdadeira performance de um homem perdido: o seu olhar parece analisar, acelerado, tudo ao seu redor com uma verdadeira mistura de pânico e estranheza – à medida em que avança na trama, seu personagem mostra um lado humano tão verdadeiro que é impossível não criar afeição a ele. A performance de Michelle Monaghan, em suma, se resume em criar uma personagem adorável, criando uma forte empatia por parte do público (e também do protagonista) que nos faz querer evitar o destino a qual está predestinada.

Vera Farmiga e Jeffrey Wright compõem o núcleo do filme que aparentemente está por trás do Código Fonte - e a atriz cria uma personagem que, com poucos recursos, mostra uma profundidade e um senso de bondade imensos. Particularmente, achei a perfomance do Jeffrey, como o doutor responsável pela criação do mecanismo, um pouco caricata, mas nada que comprometa a execução do longa.

Contando também com uma fotografia belíssima e efeitos visuais bem trabalhados, o filme impressiona em determinados momentos – como por exemplo, nos fazer ver sempre a mesma explosão, porém em ângulos diferentes, e uma delas em especial, completamente em slow-motion, realmente me deixou de queixo caído pela qualidade técnica. Jones lança também algumas gags visuais que, apesar de repetidas, funcionam bem dentro de todo o contexto.

Com um desfecho capaz de alucinar qualquer fã de ficção-científica, “Contra o Tempo” é um filme que sabe dosar ação e drama, resultando em mais um grande filme na carreira de Duncan Jones que, com apenas dois longas, já mostra ser um diretor extremamente seguro, que não hesita em explorar, com sucesso, o seu gênero preferido.

9/10

segunda-feira, 6 de junho de 2011

Os Últimos Passos de Um Homem

Dead Man Walking @ 1995 @ dirigido por Tim Robbins



Matthew Poncelet (Sean Penn) está preso faz seis anos, aguardando execução por ter matado um casal de jovens. Os crimes foram cometidos com um comparsa, Carl Vitello (Michael Cullen), que, ao invés dele, pegou prisão perpétua. Enquanto aguarda a injeção letal, Poncelet entra em contato com uma freira, Helen Prejean (Susan Sarandon), e pede a ela que o ajude em um último apela à justiça.

O filme, escrito e dirigido por Tim Robbins (parceiro de Sarandon, na época), baseado no livro de mesmo nome lançando pela Irmã, é uma devastante história baseada em fatos reais, que simplifica a batalha do bem contra o normal ao retratar com tanto contraste os personagens principais. A irmã Helen, que até então nunca tinha feito uma intervenção parecida, passa por um verdadeiro vortex emocional – e o diretor abusa de tal questão para nos mostrar flashbacks da irmã ainda mais nova, quando ainda não tinha se entregado a doutrina religiosa, tendo consciência de que há sim um lado ruim em todas as pessoas. Poncelet, à primeira vista, é um ser desprezível: ele não hesita em se mostrar sexista, racista, nazista, dentre outros péssimos adjetivos – e intervir e ajuda-lo em sua atual situação é um verdadeiro teste de fé para Helen.

Tim Robbins mostra uma direção consistente e criativa: Quando Helen e Poncelet conversam pela primeira vez, vemos o rosto dos dois através da cela (desfocada) que os separa. À medida que eles se abrem um com o outro, a cela desaparece, mostrando que não há mais barreiras entre eles e que houve sim uma conexão. Um pouco antes dessa cena em questão, ao entrar na prisão, a Irmã é barrada por um detector de metais e quando os policiais vão investigar o motivo, foi a cruz que ela carrega no pescoço – uma jogada muito criativa que reforça a idéia de que até mesmo a religião é uma arma, e que, no corredor da morte, nem mesmo os religiosos podem fazer muita coisa.

Contando com uma fotografia eficiente (Roger Deakins, mais uma vez), os personagens tem suas tonalidades quase sempre um pouco saturadas. E os elementos de cena em contraste com os atores criam uma bela composição, como na cena em que a Irmã realiza uma visita a mãe de Poncelet e seu terno parece estar dialogando com todos os elementos na cozinha. O filme aposta em cores vivas do lado de fora da prisão, e dentro da mesma há sempre a mesma tonalidade – com cores estáticas.

Susan Sarandon e Sean Penn estão absolutamente incríveis: a irmã Helen é uma pessoa de coração enorme, que apesar da religião, não esconde seu gosto por pequenas piadas – e a atriz merece reconhecimento, por exemplo, nas cenas em que está dirigindo e interagindo com outros personagens de maneira tão natural, com o mesmo olhar gracioso. O seu encontro com Poncelet desestabiliza completamente o seu equilíbrio, e ela sucumbe diante de tanta dor pois, por mais que não queira vê-lo sendo executado, sabe que ele causou uma profunda e irremediável tristeza às famílias das vítimas, o que vai de completo encontro com suas crenças. Sean Penn apresenta uma das melhores performances da sua carreira, composto um personagem frio e burro, que não consegue esconder nos olhos o medo do que está por vir – Poncelet é instável e está completamente afastado da palavra do Senhor, o que traz o desafio a irmã de fazer com que ele se arrependa de tudo antes da execução marcada. A mãe de Poncelet, vivida por Roberta Maxwell, assim como os pais dos jovens assassinados também carregam uma profunda tristeza no olhar – excelente trabalho dos atores (Tem até o Jack Black bem jovem).

Com seus últimos momentos emocionalmente devastadores, “Os Últimos Passos de Um Homem” é um filme que provoca uma série de questões no espectador, e que, como é dito pelo próprio Poncelet, não se preocupa em ser religioso demais – é um drama profundo e verdadeiro sobre culpa, incapacidade e aceitação que não vai sair da sua cabeça por um bom tempo.

9/10

sexta-feira, 3 de junho de 2011

X-men: Primeira Classe

X-men: First Class @ 2011 @ dirigido por Matthew Vaughn



É difícil ver uma adaptação fiel de uma história em quadrinhos para o universo do cinema – durante a transposição, muita coisa se perde ou se altera. “X-men: Primeira Classe” não é a mais fiel das adaptações, mas ao tentar mostrar os primórdios da franquia cinematográfica, o resultado acaba sendo uma grande homenagem aos fãs não só pela sua eficiência como filme, mas também por invocar o sentimento de todos aqueles que presenciaram, nos quadrinhos, o crescimento do universo habitado pelos mutantes.

Se utilizando de alguns acontecimentos já mostrados nos filmes anteriores, voltamos a Magneto (Michael Fassbender), ainda adolescente, sendo separado da sua família pelos nazistas – um deles, entretanto, demonstra grande interesse pelo garoto e suas habilidades recém-reveladas. Ao mesmo tempo, Charles Xavier (James McAvoy) descobre que, assim como ele, existem outras pessoas com habilidades especiais. Voltando a época da trama, que se passa em 1962, em meio à crise de mísseis em Cuba, vemos Erik (longe de se tornar Magneto) em busca desse nazista, Sebastian Shaw (Kevin Bacon), que agora lidera um grupo secreto intitulado de Clube do Inferno. Os caminhos de Erik e Charles se cruzam a partir desse argumento inicial – enquanto um busca um acerto de contas, o outro busca descobrir a existência de mais pessoas como eles – e aqui eu ressalto o talento de McAvoy em compor um Charles que não hesita em derramar uma lágrima ao saber da existência de outros mutantes, mesmo que não tão bonzinhos como ele. O ator conseguiu mostrar perfeitamente o que Xavier sentiu ao saber que não estava mais sozinho.

Abusando de um estilo tanto quanto cartunesco, quanto modernizado, o diretor Matthew Vaughn conseguiu perfeitamente transportar o espectador a todo esse clima de “ínicio”, invocando o espiríto dos quadrinhos nas cores dos uniformes e nas composições das cenas – quando Banshee (Caleb Landry Jones) consegue voar pela primeira vez se utilizando dos seus poderes supersônicos, por exemplo, fui diretamente transportando às páginas dos quadrinhos. E apesar de se manter um pouco estática durante a projeção, a Emma Frost de January Jones passa todo aquele ar de sedução e misticismo que a personagem possui. Além das perfomances notáveis de McAvoy e Fassbender (o momento em que os dois dividem uma memória é tocante), que nos mostram como os laços de amizade surgiram e se fortaleceram entre os dois, destaco também o trabalho de Jennifer Lawrence como Mística, Nicholas Hoult como Fera e Kevin Bacon como Sebastian Shaw – que, ao superar as minhas expectativas, mostrou-se um vilão muito interessante (e sua habilidade foi retratada de maneira incrível). Interessante notar também o primórdio do preconceito contra os mutantes, que vai surgindo aos poucos (até mesmo entre eles próprios) - e o roteiro acertar ao tratar de tais questões, que não se diferenciam muito das discriminações presentes na sociedade atual, de uma maneira verdadeira.

O filme tem algumas falhas, claro, principalmente na parte técnica: a Angel (Zoë Kravitz) não me convenceu em nenhuma de suas cenas, principalmente ao usar seus poderes, assim como Destrutor (Lucas Till) – dois personagens extremamente descartáveis. Grande erro também foi não ter dado destaque a Darwin (Edi Gathegi) e sua incrível mutação. E apesar de dar uma misturada legal na cronologia, acho que há justificativas plausíveis para tais ocorrêcias – afinal de contas nem mesmo a cronologia oficial do universo Marvel nos quadrinhos é algo que possa ser levado tão a sério.

Se utilizando de efeitos especiais incríveis e uma inusitada, e bem realizada, carga dramática, “X-men: Primeira Classe” vai agradar não somente aos espectadores da série cinematográfica, mas com certeza vai arrancar pequenos sorrisos de todos os fãs dos mutantes que encontrarão os elementos fundamentais que consolidaram os personagens dentro da Marvel. Depois de uma derrapada feia em “X-men Origins: Wolverine”, a Fox conseguiu um blockbuster de qualidade, à altura dos anteriores.

9/10

domingo, 29 de maio de 2011

Como Treinar o Seu Dragão

How to Train Your Dragon @ 2010 @ dirigido por Chris Sanders e Dean DeBlois



Soluço (Jay Baruchel) é um viking adolescente e completamente fora de contexto – seu pai, Stoico (Gerard Butler), é o chefe da vila e o principal matador de dragões da ilha, característica essa que seu filho não compartilha – e enquanto ele cresce, as diferenças entre ele e os outros vikings ficam cada vez mais acentuadas. Só uma coisa pode torná-lo mais “aceitável” perante o vilarejo: finalmente matar um dragão.

“Como Treinar o Seu Dragão” é uma animação da DreamWorks, baseada no livro de mesmo nome. Dirigido por Chris Sanders e Dean DeBlois, o filme é um trabalho caprichado da principal concorrente da Pixar, e a primeira vez que realizam uma animação à altura: não é um filme genérico, e consegue de maneira incrível cativar o espectador. Soluço é constantemente discriminado por todos ao seu redor, o que torna os seus sentimentos por Astrid (America Ferrera) algo praticamente impossível de vir a se tornar concreto um dia. E enquanto seu pai parece apostar cada vez menos nele, surge a figura de Gobber (Craig Fergusson), o responsável em treinar outros vikings e transformá-los em matadores de dragão, que resolve convencer o pai do garoto a treiná-lo adequadamente.

O roteiro tem o cuidado de dosar perfeitamente o drama e a comédia, fazendo um ótimo filme infantil – para as crianças – e um filme de profundo apelo dramático – para os adultos. Quando Soluço consegue capturar o primeiro dragão, que é um “Fúria da Noite” (o mais poderoso dos dragões, na trama), ele é incapaz de abatê-lo. É nesse exato momento que percebemos que essa é uma animação muito inteligente, pois os laços do garoto e do animal se estreitam (o dragão já não consegue voar sozinho, pois perdeu um pedaço da cauda durante a queda) e os dois, “diferentes” dos outros das suas espécies, sentem-se confortáveis um com o outro. E toda temática envolvendo essas diferenças possuem um ar bem contemporâneo, fazendo com que o roteiro também mereça aplausos por incluir essas questões sem politizar ou banalizar demais a obra.

O visual do filme é arrebatador: desde os grandiosos e coloridos cenários às incríveis cenas de vôo com Banguela (é esse o nome do dragão). Os personagens secundários conseguem ser convincentes e engraçados – o que por si só já é um grande diferencial numa animação da DreamWorks, que geralmente apresentam personagens bem unidimensionais e pouco interessantes. A trilha sonora composta por John Powell é linda e eficiente: épica nos momentos de ação e suave nas cenas que tenham um pouco de drama. Não me espantou que suas composições tenham sido indicadas ao Oscar. A qualidade da computação gráfica, a fluidez dos movimentos e a estética do filme também estão de parabéns. Pelo que vi nos créditos, parece que Roger Deakins ajudou na composição fotográfica - outro excelente ponto do filme.

Com um desfecho que realmente me deixou espantado para uma animação, “Como Treinar o Seu Dragão” é um excelente filme – tanto para ser visto com toda família quanto como obra cinematográfica. Há uma continuação à caminho, e espero que a DreamWorks mantenha o nível desta que pode ser considerada a sua mais eficiente empreitada no mercado de animações, que, tenho certeza, deixaram os executivos da Pixar bastante pensativos.

9/10

sábado, 28 de maio de 2011

Onde os Fracos não Têm Vez

No Country for Old Men @ 2007 @ dirigido por Joel Coen e Ethan Coen



Na década de oitenta, no oeste do Texas, um xerife lamenta pela crescente violência no local, que está transformando as pessoas, tornando os crimes verdadeiros atos de brutalidade. Esse pequeno monólogo abre o filme dos irmãos Coen, ao mesmo tempo em que vemos enquadramentos das paisagens locais, e a trilha sonora se acentua, prevendo o que está por vir.

“Onde os Fracos não Têm Vez” é baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy, e, como em alguns outros filmes dos Coen, sua trama envolve algumas questões envolvendo destino e circunstâncias. Llewelyn Moss (Josh Brolin), em uma caçada, acaba se deparando com uma mau-sucedida transação de drogas, com vários corpos e uma mala de dinheiro. Um assassino, Anton Chigurh (Javier Bardem) foi contratado para recuperar o dinheiro perdido. O xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones) fica ciente de toda a situação, e recorre a Carla Jean (Kelly Macdonald), mulher de Llewelyn, em sua busca para salva-lo do assassino em seu encalço.

O roteiro do filme foi impecavelmente adaptado pelos irmãos Coen. Existem diálogos que já podem ser considerados memoráveis, como na cena em que Anton tem uma leve discussão com um vendedor local, ou até mesmo as cenas que envolvem pequenos monólogos encenados por Tommy Lee Jones. A brilhante fotografia de Roger Deakins aposta em tons amarelados e sépios, enquanto a direção de arte lança alguns figurinos com cores saturadas, o que resulta numa belíssima composição de cena, num maravilhoso contraste entre as belíssimas paisagens e os elementos de cena. Quando Llewelyn apanha o dinheiro, por exemplo, vemos uma tempestade se formar em pleno deserto. E quando o mesmo é visto e perseguido à noite, os Coens se preocupam em pôr a lanterna do carro que o persegue de um lado e um relâmpago na direção oposta, indicando que, não importando para onde ele vá, ele passará por uma tormenta.

Tommy Lee Jones merece aplausos por criar uma figura decente e honesta que, apesar de todos os esforços, percebe que foi passado para trás diante os rumos tomados pela sociedade – a injustiça está presente em todos os momentos, e o xerife é um dos poucos que percebem o quanto ela é implacável. Josh Brolin e Kelly Macdonald também encenam com competência os seus personagens (incrível como ela encarna o sotaque da Carla Jean, e nos bastidores retorna ao sotaque escocês). Mas, sem dúvidas, a força do filme se reside em Javier Bardem – desde a primeira vez que o vimos, sabemos que ele é capaz de matar a qualquer momento. Quando enforca o policial, por exemplo, ele demonstra satisfação de uma maneira tão aterrorizante que fica difícil acreditar que aquilo realmente não aconteceu. Anton é a encarnação da maldade, e mata por seus princípios (que os Coen brilhantemente não expõem durante a projeção) – e em sua feição há sempre um ar psicótico. E na já mencionada cena em que discute com um vendedor, ele, apenas com o olhar e com o tom de sua voz, deixa bem claro para o vendedor que ele será morto a qualquer momento.

Como de costume, o filme se encerra de uma maneira bem Coen – com um corte rápido, logo após algumas palavras importantes proferidas por um dos personagens (que não posso revelar) – e é justamente essa sensação de inquietação que torna um filme um clássico instantâneo, e devemos aplaudir de pé os Coen por terem conseguido realizar um filme de perseguição onde os três personagens principais em nenhum momento dividem a tela. Tudo que é mostrado, até mesmo os personagens, ilustram uma história bem maior, daquelas que fazem a cabeça de qualquer crítico especializado. “Onde os Fracos não Têm Vez” é um grande filme, e já nasceu clássico.

10/10

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Barrados no Shopping

Mallrats @ 1995 @ dirigido por Kevin Smith



Uma das melhores fases do Kevin Smith foi justamente quando ele abusou do seu intelecto nerd para criar histórias, quase todas interligadas, se utilizando de um humor inteligente e personagens “loosers” bastante convincentes – todas essas histórias se passam no View Askewniverse, um universo fictício criado pelo diretor repleto de caras idiotas e da recorrente presença de Jay e Silent Bob.

T.S. Quint (Jeremy London) está de viagem marcada com sua namorada, Brandi (Claire Forlani), e após uma discussão, ela termina com ele. Ao mesmo tempo, seu amigo, Brodie (Jason Lee, em seu primeiro papel de destaque), também acaba de receber um pé-na-bunda de Rene (Shannen Doherty) – para esfriar a cabeça, e também por não terem nada para fazer, os dois amigos decidem dar um rolé pelo shopping local, e lá encontram Jay (Jason Mewes) e Silent Bob (o próprio Kevin Smith), dois traficantes absurdamente vagabundos que ficam vagando pelo local enquanto falam besteira. Brandi desmarcou sua viagem com T.S. a pedido de seu pai (Michael Rooker), para participar de um programa de namoros que está sendo montado pelo mesmo, no próprio shopping. É a partir daí que todos se cruzam.

“Barrados no Shopping” não é um filme para qualquer um: é um filme de um nerd, feito para outros nerds. Os diálogos entre Brodie e T.S. quase sempre estão mencionando quadrinhos ou a cultura outsider da época, e todo esse universo é regado a pôsteres ou action figures de super-heróis, games, e por aí vai. São milhões de referências – das disputas entre fanboys até o cinto de utilidades carregado por Silent Bob. E o roteiro tem o cuidado de nos inserir a esse universo sem fazer com que todos os personagens soem como completos retardados.

Neste, que é o segundo filme passado no View Askewniverse (o primeiro foi “O Balconista”, de 1994), Kevin Smith dá seus primeiros passos com atores como Ben Affleck e Joey Lauren Adams – que viriam a participar de muitos dos seus futuros filmes – e basicamente não investe muito esteticamente. Há até mesmo uma memorável participação do Stan Lee (praticamente o pai da Marvel Comics), em um pequeno e bonito monólogo (e o coroa manda bem como ator).

A trama não oferece muitos desafios – é simplesmente um ensaio para os seus futuros e mais trabalhados filmes – o que não desmerece a obra, que sustenta o seu próprio estilo e consolida Smith nesse gênero do cinema. “Barrados no Shopping” não é de longe o seu melhor filme, mas vale a pena ser assistido, assim como todos os outros que fazem parte do View Askewniverse.

7/10

terça-feira, 24 de maio de 2011

Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas

Pirates of the Caribbean: On Stranger Tides @ 2011 @ dirigido por Rob Marshall



A franquia Piratas do Caribe foi um repentino e bem recebido sucesso para a Disney - é só você parar e pensar que toda a idéia do filme surgiu a partir de uma atração de lá da casa do Mickey. Após uma rentável trilogia, todos não esperavam por mais uma aventura do capitão Jack Sparrow (interpretado por Johnny Depp), mas aí resolvem contratar Rob Marshall (diretor do premiado musical "Chicago"), chamar uma bela estrela para um suposto par romântico (Penélope Cruz, linda como sempre) e tentar, dessa forma, dar um reinício a franquia - que, dessa vez, acaba não sendo tão bem sucedida. (a não ser, claro, que você ache que filme bom é aquele que dá dinheiro)

"Navegando em Águas Misteriosas" começa assim, misteriosamente, com um velho sendo resgatado em alto mar por piratas espanhóis, alertando-os sobre o pirata Barba Negra (Ian McShane). Logo depois, vemos o julgamento de um suposto Jack Sparrow (recurso bem falho esse, já que todos sabem que seria inevitavelmente um impostor), pelas mãos de um juiz muito suspeito (outra cagada). A partir daí, ficamos sabendo que um suposto (sim, mais um) Jack Sparrow está tentando formar uma tripulação, o que desperta a atenção do verdadeiro. Inclua nessa mistura Angelica (Penélope Cruz), antiga amante de Jack, que alega ser filha do Barba Negra, e Barbossa (Geoffrey Rush), antigo antagonista, que agora trabalha à serviço do rei - e se até aqui tudo está muito confuso, pode acreditar que nas telonas a coisa é bem pior - mas, enfim, todos estão buscando uma coisa em comum: a fonte da juventude.

Se nos filmes anteriores, o roteiro conseguia misturar o universo dos piratas com um pouco de mitologia antiga, dessa vez soa muito forçado: para se ter uma idéia, a profecia que move a trama foi dita por um pirata, que segundo o Barba Negra, apenas "enxerga as coisas"; os "zumbis" não lembram em nada suas contrapartes pútridas e as sereias simplesmente não convencem. Pior ainda é a tentativa falha e extremamente acelerada de estabelecer um novo casal dentro da trama. Penelope Cruz é linda, eu sei, mas sua função dentro do filme é absolutamente descartável. E Johnny Depp, que conseguiu uma indicação ao Oscar por esse mesmo papel anos atrás, simplesmete oferece o básico - Jack Sparrow é engraçado, mas está muito repetitivo. Geoffrey Rush, no entanto, consegue salvar seu personagens em algumas situações bem sacadas envolvendo o seu novo modo de vida.

A fotografia é extremamente ruim (o que me deixou espantado!) - na cena em que vemos Penelope Cruz pela primeira vez, por exemplo, a imagem é tão escura que mal conseguimos enxergar o que está acontecendo. As poucas cenas de ação do filme praticamente não empolgam. E eu sinceramente não sei em quais cenas o 3D foi investido, porque recapitulando tudo o que eu vi tenho certeza que o recurso se mostrou extremamente desnecessário. Apesar do péssimo roteiro, boa parte das falhas residem também no fato de terem dado um filme de ação a um diretor acostumado com musicais (e apenas um bom, dentre eles) - Rob Marshall conseguiu deixar o filme entediante: usa planos básicos em muitas cenas, e parece mostrar uma preguiça criativa tremenda, achando que somos obrigados a aceitar o fato.

Com um desfecho ruim, o novo "Piratas do Caribe" simplesmente não causa nada, e apesar de ser o mais curto da série, parece ser o mais longo de tão entediante. Permitir que as excentricidades de um personagem segurem o filme com certeza não é uma idéia de sucesso, e foi justamente o que a Disney e o diretor Rob Marshall fizeram dessa vez, o que confesso, me deixou frustrado - eu gosto bastante da trilogia inicial (em ordem decrescente).

3/10