terça-feira, 12 de julho de 2011

Reino Animal

Animal Kingdom @ 2010 @ dirigido por David Michôd


A mãe de Joshua “J” Cody (James Frecheville) acabou de morrer devido a uma overdose de heroína. Sozinho, sua única opção é ligar para sua avó, Janine “Smurf” Cody (Jacki Weaver) para que ele possa morar com ela. A família Cody é conhecida por estar ligada a inúmeros crimes locais, e é composta também pelos três tios de J; Andrew “Pope” Cody (Ben Mendelsohn), Craig Cody (Sullivan Stapleton) e Darren Cody (Luke Ford). Pope está foragido, e seu parceiro nos crimes, Barry “Baz” Brown (Joel Edgerton) está ajudando a família nas investidas ilícitas. J é carne nova no pedaço, e a única oportunidade que o detetive sargento Nathan Leckie (Guy Pearce) tem de finalmente pôr um fim às atividades da família Cody.

“Reino Animal” é um filme australiano escrito e dirigido por David Michôd. Vencedor do Prêmio do Júri de Cinema Mundial: Drama no festival de Sundance, o filme é uma pequena odisséia mostrando como um adolescente precisa crescer à força para poder sobreviver num mundo de predadores. O reino animal do título já se mostra presente desde os créditos inicias, mostrando leões num quadro, para logo depois mostrar imagens de assaltos. A fotografia é excelente, abusando de um tom ciano, mas sem deixar de ressaltar outras cores mais fortes. A trilha sonora composta por Antony Partos também se mostra adequada em todo o contexto do filme.

David Michôd nos lança J como um garoto de 17 anos, neutro. Quase sempre apático, ele de certa forma acha interessante a dinâmica familiar, apesar de não esconder um temor por todos eles. Alguns valores conseguem falar mais alto, entretanto logo percebemos que o sangue Cody também flui em J, de certa forma. É sua neutralidade que atrai a atenção do seu tio mais velho, Pope, que desconfia de tudo que o garoto faz. Pope é a ovelha-negra da família, é o mais velho, o mais burro e o mais inconseqüente – quando percebe que o tempo está o deixando para trás, seu instinto de sobrevivência fala mais alto, como o de um animal – um trabalho excepcional do Ben Mendelsohn que torna quase todos os momentos do personagem em cena extremamente tensos já que ele é uma bomba relógio de instabilidade.

O elenco inteiro do filme não decepciona em nenhum momento. Guy Pearce também está ótimo, representando a força gravitacional que busca tirar J de toda aquela tormenta – ele sabe que o garoto é descartável perante os Cody. Joel Edgerton cria uma figura interessante como Baz, um crimonoso bem tradicional e educado, que já está cansado dos crimes e busca uma nova forma, lícita, de fazer dinheiro. A principal e mais incrível atuação do longa, porém, é a de Jacki Weaver, que nos mostra uma das figuras maternas mais assustadoras da todos os tempos – a vovó Cody é uma verdadeira fêmea selvagem, está a todo tempo rodeando sua prole, e o olhar sádico da atriz reforça ainda mais toda a maldade latente da personagem – o amor para com seus filhos é inegável, e chega a ser curiosa a maneira com que ela beija todos eles na boca. Seu sangue quer proteger J, mas o seu instinto quer justamente o oposto – um trabalho excelente que rendeu à atriz uma indicação ao Oscar de atuação coadjuvante e lançou seu nome internacionalmente.
Com slow-motions estilosos que focam bastante a naturalidade dos atores, o filme também apresenta algumas gags interessantes como na cena em que J é levado para interrogatório e ao seu lado está uma estátua de um cachorro sentado, em plena delegacia. Há também uma cena interessante em que, quando levado por Nathan até um hotel local para mais um interrogatório, a câmera foca apenas duas portas, com os números 6 e 7 respectivamente, como se o garoto tivesse que optar por seguir o lado do mal ou do bem (segundo a bíblia, 6 é o número satânico enquanto 7 é o número divino). Quando ouvimos “All Out of Love” ao mesmo tempo que vemos a feição desequilibrada de Pope, por exemplo, sabemos o quanto ele é, e se sente, deslocado.

Com um roteiro inteligente, contendo surpresas inesperadas e impactantes, essa pequena obra-prima merece todo o reconhecimento que teve. É um thriller de qualidade, ancorado por performances notáveis de todo o seu elenco. Fazendo um evidente paralelo com o título, o filme ressalta a idéia de que no mundo existem as pessoas fortes, que dominam, e as fracas, que são dominadas. Dentro do universo de “Reino Animal”, entretanto, quando você menos espera, um dos personagens finalmente dá a sua “mordida”.

10/10

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Louca Obsessão

Misery @ 1990 @ dirigido por Rob Reiner




Paul Sheldon (James Caan) é um escritor, bastante famoso pela sua série de livros envolvendo a personagem Misery Chastain. Um pouco pedante e extremamente ritualístico, o escritor tem certas manias, como a de, por exemplo, somente terminar um livro em Silver Creek, no Colorado. Ao terminar o seu primeiro livro fora da franquia que lhe tornou famoso, ele está indo em direção ao oeste quando é pego de surpresa por uma forte nevasca. Seu carro capota, e ele é socorrido pela enfermeira Annie Wilkes (Kathy Bates), e levado até a casa dela. Um detalhe importante: Annie se auto-intitula a fã número 1 do escritor.

Dirigido por Rob Reiner e escrito por William Goldman, “Louca Obsessão” é uma adaptação da obra de mesmo nome criada por Stephen King, e é considerado por muitos fãs do autor como uma das mais fiéis transposições para o cinema de uma das suas obras. O filme foi um grande sucesso na época, pela sua fiel retratação de um distúrbio mental assim como pela sua atmosfera pesada.

A princípio, Paul simpatiza bastante com Annie – pois além de ela sempre ressaltar a sua genialidade, ela está cuidando de todos os seus ferimentos (incluindo aí duas pernas quebradas e um ombro deslocado). É bem por acaso que surge o primeiro surto psicótico. Annie Wilkes é um personagem muito bem construído – Kathy Bates encarna com perfeição todas as desordens da personagem. Chega até a ser plausível que nem mesmo ela saiba o quanto é monstruosa. Suas oscilações de temperamento, a súbita mudança no tom de voz e na expressão. Sua obsessão por Misery Chastain a insere num pandemônio pessoal, fazendo com ela recorra a qualquer coisa pelo bem estar da sua tão amada personagem.

James Caan, entretanto, eu já não considerei no mesmo patamar de Bates. O trabalho dele não compromete, mas não senti a mesma dedicação tida por ela. Richard Farnsworth interpreta um xerife local, que está fazendo suas próprias investigações quanto ao sumiço de Paul, e Lauren Bacall interpreta a agente do escritor, que é a primeira pessoa a sentir sua falta.

Construindo o filme inteiro como um thriller, o diretor eventualmente se utiliza de algumas técnicas bem bacanas, quando por exemplo abre o filme com um cigarro, uma taça e uma garrafa de vinho só para depois nos mostrar, em retrocesso, que eles fazem parte do ritual de Paul sempre que termina um livro. E sua dedicação pelas suas obras é tanta que, ao notar que o carro vai derrapar, a primeira coisa que lhe vem a cabeça é segurar a pasta que contém o manuscrito original do seu novo livro.

“Louca Obsessão” caminha de maneira um pouco previsível, mas não decepciona em seu desfecho. O filme rendeu a Kathy Bates inúmeras premiações, incluindo aí um Oscar de melhor atriz, algo pouco comum para filmes do gênero - o que, entretanto, ressalva a qualidade da obra final.

7/10

domingo, 3 de julho de 2011

O Beijo da Mulher Aranha

Kiss of the Spider Woman @ 1985 @ dirigido por Héctor Babenco

Somos apresentados a uma pequena história, contada por alguém, de dentro de uma cela. As paredes dessa cela são repletas de curiosidades – desde as curiosas e saturadas peças de roupa às frases soltas, em português. Pouco tempo depois, descobrimos que quem conta a história é Luis Molina (William Hurt), um homossexual bastante afeminado que foi preso por manter relações sexuais com um menor de idade. A história está sendo contada para Valentin Arregui (Raúl Juliá), que está preso (e sendo torturado) por fazer parte de um grupo revolucionário de esquerda. Os dois dividem a mesma cela.

“O Beijo da Mulher Aranha” foi dirigido por Héctor Babenco, diretor brasileiro nascido argentino. O roteiro foi adaptado por Leonard Schrader a partir da obra de mesmo nome escrita por Manuel Puig. A trama do longa metragem nos apresenta um “filme dentro de um filme” – toda a história contada por Molina é mostrada ao espectador, e a brasileira Sônia Braga, neste que foi o filme que sedimentou sua carreira internacional, interpreta ao longo da projeção três mulheres diferentes.

É difícil dizer se o filme realmente se passa no Brasil, pois a ausência do português nos diálogos foi algo que realmente me deixou curioso. Fica claro, entretanto, que o filme se passa em algum país latino, visto que até mesmo as paredes das celas contém frases escritas em português. A presença de vários rostos brasileiros, entretanto, cria essa ilusão de filme nacional. A princípio a predominância do inglês foi algo que não gostei, mas com o passar do tempo a força do filme sobrepassa tal barreira, fazendo com que venhamos apreciar a história.

Milton Gonçalves está ótimo como o agente policial homofóbico que tenta forçar Molina a arrancar informações de Valentin. Herson Capri, Nuno Leal Maia e Miguel Falabella falando inglês já não conseguiram me convencer tanto assim, mas não comprometem o filme. É a dinâmica entre Molina e Valentin que realmente sustenta a projeção – e o diretor nos mostra progressivamente o quanto os laços se estreitam entre eles.

Desde os primeiros minutos sabemos que Molina é uma pessoa carinhosa e solitária – todas as suas investidas em Valentin ultrapassam o simples flerte – há um desejo maior ali, uma vontade latente de cuidar. A fragilidade em contraste com sua forma física é um dos grandes méritos da performance apresentada por William Hurt, que, não por acaso, lhe rendeu um Oscar de melhor ator. Valentin, entretanto, é o típico homem guerrilheiro que subitamente se vê preso ao lado de uma “bicha” (como ele mesmo diz, quando estoura). Seu senso de respeito, porém, é maior que tudo isso, e é linda a maneira com que os dois se abrem um com o outro (assim como também é triste ver quando os dois brigam). Em um determinado momento, seus crimes já nem são importante, pois vemos a humanidade presente em cada um deles. Sônia Braga também merece destaque por conferir um ar onírico à personagem das histórias de Molina. Ela interpreta também uma mulher que Valentin amou na vida real, assim como a “mulher aranha” do título.

“O Beijo da Mulher Aranha” acima de tudo, passa uma mensagem de amor e respeito que se mostram verdadeiras até hoje. Héctor Babenco conquista por sua incrível maneira de contar uma história. O filme foi indicado a quatro estatuetas no Oscar: melhor filme, melhor diretor, melhor roteiro original e melhor ator. Um filme sincero, que se destaca em meios a tantas baboseiras lançadas pelo cinema nacional. E aqui mais uma vez a questão envolvendo a nacionalidade do filme, mas o que é que importa? É, acima de tudo, um lindo filme.

8/10

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Wendy & Lucy

Wendy and Lucy @ 2008 @ dirigido por Kelly Reichardt



“Wendy & Lucy” começa de uma maneira peculiar e minimalista, mostrando alguns vagões em movimento diante uma câmera estática. Tal iniciativa entra em contraste absoluto com a proposta do longa metragem (que não é tão longo assim), e ao mesmo tempo condiz com o que será mostrado.

Wendy (Michelle Williams) é uma jovem mulher que está indo em direção ao Alaska, em busca de melhores oportunidades financeiras. Suas únicas posses são o seu antigo carro, alguns suprimentos, um pouco mais de 500 dólares e sua cadela, Lucy, que é sua única companheira em todo o percalço. Ao passar por Oregon, seu carro quebra, e numa má sucedida tentativa de furtar alguns alimentos num mercado local, ela se vê detida – e o pior – Lucy desaparece.

O filme foi dirigido por Kelly Reichardt, roteirista e diretora bem falada no circuito alternativo de cinema, adaptado do conto “Train Choir” (coro do trem, em tradução literal) de Jonathan Raymond, que co-roteirizou o filme junto com Kelly. Bastante comentando em festivais de cinema, o filme gerou um merecido frenesi em torno de Michelle Williams, que chegou a ser cotada ao Oscar de melhor atriz no ano. Os méritos do filme, entretanto, não se resumem exclusivamente a tocante atuação de Michelle.

Wendy é uma figura extremamente simpática – meio andrógina, mas ainda assim extremamente doce, a personagem é o retrato perfeito da solidão. E quem melhor para ser amigo de um personagem tão solitário do que o “melhor amigo do homem”? A diretora aposta na química entre homem e animal, compondo um tocante equilíbrio em cena. Jogada em meio a figuras estranhas e carentes de hospitalidade, Wendy está cada vez mais solitária. Na cena em que tenta manter contato com sua família, por exemplo, podemos enxergar o quanto ela se sente excluída até mesmo por aqueles que carregam seu sangue.

Contado de maneira simples e minimalista, o filme é recomendado para aqueles que já passaram (ou que não subestimam) a força da solidão extrema. Filmado quase que inteiramente em tons frios, o filme nos obriga a simpatizar com Wendy, e muitas vezes eu quis entrar na tela só para poder abraçá-la. Num excelente trabalhado da Michelle Williams, ela consegue compor um personagem sozinho e ainda assim resistente, que não se importa em passar pelas mais difíceis situações em busca de uma meta, talvez por não ter mais nenhuma outra meta na vida, quem sabe – o que realmente é incrível é a fragilidade e condescência mostradas o tempo inteiro no olhar de Wendy.

Cru, simples, e de certa forma até mesmo poético – “Wendy & Lucy” é um filme que de alguma maneira consegue condensar todos esses adjetivos e ainda assim soar esperançoso. Carregado por um excelente trabalho da Michelle Williams, o seu desfecho pode desagradar alguns, porém há um mérito inquestionável no filme: ele pode não ser um divisor de águas, mas, sem sombra de dúvidas, é um filme extremamente verdadeiro.

8/10