domingo, 29 de maio de 2011

Como Treinar o Seu Dragão

How to Train Your Dragon @ 2010 @ dirigido por Chris Sanders e Dean DeBlois



Soluço (Jay Baruchel) é um viking adolescente e completamente fora de contexto – seu pai, Stoico (Gerard Butler), é o chefe da vila e o principal matador de dragões da ilha, característica essa que seu filho não compartilha – e enquanto ele cresce, as diferenças entre ele e os outros vikings ficam cada vez mais acentuadas. Só uma coisa pode torná-lo mais “aceitável” perante o vilarejo: finalmente matar um dragão.

“Como Treinar o Seu Dragão” é uma animação da DreamWorks, baseada no livro de mesmo nome. Dirigido por Chris Sanders e Dean DeBlois, o filme é um trabalho caprichado da principal concorrente da Pixar, e a primeira vez que realizam uma animação à altura: não é um filme genérico, e consegue de maneira incrível cativar o espectador. Soluço é constantemente discriminado por todos ao seu redor, o que torna os seus sentimentos por Astrid (America Ferrera) algo praticamente impossível de vir a se tornar concreto um dia. E enquanto seu pai parece apostar cada vez menos nele, surge a figura de Gobber (Craig Fergusson), o responsável em treinar outros vikings e transformá-los em matadores de dragão, que resolve convencer o pai do garoto a treiná-lo adequadamente.

O roteiro tem o cuidado de dosar perfeitamente o drama e a comédia, fazendo um ótimo filme infantil – para as crianças – e um filme de profundo apelo dramático – para os adultos. Quando Soluço consegue capturar o primeiro dragão, que é um “Fúria da Noite” (o mais poderoso dos dragões, na trama), ele é incapaz de abatê-lo. É nesse exato momento que percebemos que essa é uma animação muito inteligente, pois os laços do garoto e do animal se estreitam (o dragão já não consegue voar sozinho, pois perdeu um pedaço da cauda durante a queda) e os dois, “diferentes” dos outros das suas espécies, sentem-se confortáveis um com o outro. E toda temática envolvendo essas diferenças possuem um ar bem contemporâneo, fazendo com que o roteiro também mereça aplausos por incluir essas questões sem politizar ou banalizar demais a obra.

O visual do filme é arrebatador: desde os grandiosos e coloridos cenários às incríveis cenas de vôo com Banguela (é esse o nome do dragão). Os personagens secundários conseguem ser convincentes e engraçados – o que por si só já é um grande diferencial numa animação da DreamWorks, que geralmente apresentam personagens bem unidimensionais e pouco interessantes. A trilha sonora composta por John Powell é linda e eficiente: épica nos momentos de ação e suave nas cenas que tenham um pouco de drama. Não me espantou que suas composições tenham sido indicadas ao Oscar. A qualidade da computação gráfica, a fluidez dos movimentos e a estética do filme também estão de parabéns. Pelo que vi nos créditos, parece que Roger Deakins ajudou na composição fotográfica - outro excelente ponto do filme.

Com um desfecho que realmente me deixou espantado para uma animação, “Como Treinar o Seu Dragão” é um excelente filme – tanto para ser visto com toda família quanto como obra cinematográfica. Há uma continuação à caminho, e espero que a DreamWorks mantenha o nível desta que pode ser considerada a sua mais eficiente empreitada no mercado de animações, que, tenho certeza, deixaram os executivos da Pixar bastante pensativos.

9/10

sábado, 28 de maio de 2011

Onde os Fracos não Têm Vez

No Country for Old Men @ 2007 @ dirigido por Joel Coen e Ethan Coen



Na década de oitenta, no oeste do Texas, um xerife lamenta pela crescente violência no local, que está transformando as pessoas, tornando os crimes verdadeiros atos de brutalidade. Esse pequeno monólogo abre o filme dos irmãos Coen, ao mesmo tempo em que vemos enquadramentos das paisagens locais, e a trilha sonora se acentua, prevendo o que está por vir.

“Onde os Fracos não Têm Vez” é baseado no livro homônimo de Cormac McCarthy, e, como em alguns outros filmes dos Coen, sua trama envolve algumas questões envolvendo destino e circunstâncias. Llewelyn Moss (Josh Brolin), em uma caçada, acaba se deparando com uma mau-sucedida transação de drogas, com vários corpos e uma mala de dinheiro. Um assassino, Anton Chigurh (Javier Bardem) foi contratado para recuperar o dinheiro perdido. O xerife Ed Tom Bell (Tommy Lee Jones) fica ciente de toda a situação, e recorre a Carla Jean (Kelly Macdonald), mulher de Llewelyn, em sua busca para salva-lo do assassino em seu encalço.

O roteiro do filme foi impecavelmente adaptado pelos irmãos Coen. Existem diálogos que já podem ser considerados memoráveis, como na cena em que Anton tem uma leve discussão com um vendedor local, ou até mesmo as cenas que envolvem pequenos monólogos encenados por Tommy Lee Jones. A brilhante fotografia de Roger Deakins aposta em tons amarelados e sépios, enquanto a direção de arte lança alguns figurinos com cores saturadas, o que resulta numa belíssima composição de cena, num maravilhoso contraste entre as belíssimas paisagens e os elementos de cena. Quando Llewelyn apanha o dinheiro, por exemplo, vemos uma tempestade se formar em pleno deserto. E quando o mesmo é visto e perseguido à noite, os Coens se preocupam em pôr a lanterna do carro que o persegue de um lado e um relâmpago na direção oposta, indicando que, não importando para onde ele vá, ele passará por uma tormenta.

Tommy Lee Jones merece aplausos por criar uma figura decente e honesta que, apesar de todos os esforços, percebe que foi passado para trás diante os rumos tomados pela sociedade – a injustiça está presente em todos os momentos, e o xerife é um dos poucos que percebem o quanto ela é implacável. Josh Brolin e Kelly Macdonald também encenam com competência os seus personagens (incrível como ela encarna o sotaque da Carla Jean, e nos bastidores retorna ao sotaque escocês). Mas, sem dúvidas, a força do filme se reside em Javier Bardem – desde a primeira vez que o vimos, sabemos que ele é capaz de matar a qualquer momento. Quando enforca o policial, por exemplo, ele demonstra satisfação de uma maneira tão aterrorizante que fica difícil acreditar que aquilo realmente não aconteceu. Anton é a encarnação da maldade, e mata por seus princípios (que os Coen brilhantemente não expõem durante a projeção) – e em sua feição há sempre um ar psicótico. E na já mencionada cena em que discute com um vendedor, ele, apenas com o olhar e com o tom de sua voz, deixa bem claro para o vendedor que ele será morto a qualquer momento.

Como de costume, o filme se encerra de uma maneira bem Coen – com um corte rápido, logo após algumas palavras importantes proferidas por um dos personagens (que não posso revelar) – e é justamente essa sensação de inquietação que torna um filme um clássico instantâneo, e devemos aplaudir de pé os Coen por terem conseguido realizar um filme de perseguição onde os três personagens principais em nenhum momento dividem a tela. Tudo que é mostrado, até mesmo os personagens, ilustram uma história bem maior, daquelas que fazem a cabeça de qualquer crítico especializado. “Onde os Fracos não Têm Vez” é um grande filme, e já nasceu clássico.

10/10

quinta-feira, 26 de maio de 2011

Barrados no Shopping

Mallrats @ 1995 @ dirigido por Kevin Smith



Uma das melhores fases do Kevin Smith foi justamente quando ele abusou do seu intelecto nerd para criar histórias, quase todas interligadas, se utilizando de um humor inteligente e personagens “loosers” bastante convincentes – todas essas histórias se passam no View Askewniverse, um universo fictício criado pelo diretor repleto de caras idiotas e da recorrente presença de Jay e Silent Bob.

T.S. Quint (Jeremy London) está de viagem marcada com sua namorada, Brandi (Claire Forlani), e após uma discussão, ela termina com ele. Ao mesmo tempo, seu amigo, Brodie (Jason Lee, em seu primeiro papel de destaque), também acaba de receber um pé-na-bunda de Rene (Shannen Doherty) – para esfriar a cabeça, e também por não terem nada para fazer, os dois amigos decidem dar um rolé pelo shopping local, e lá encontram Jay (Jason Mewes) e Silent Bob (o próprio Kevin Smith), dois traficantes absurdamente vagabundos que ficam vagando pelo local enquanto falam besteira. Brandi desmarcou sua viagem com T.S. a pedido de seu pai (Michael Rooker), para participar de um programa de namoros que está sendo montado pelo mesmo, no próprio shopping. É a partir daí que todos se cruzam.

“Barrados no Shopping” não é um filme para qualquer um: é um filme de um nerd, feito para outros nerds. Os diálogos entre Brodie e T.S. quase sempre estão mencionando quadrinhos ou a cultura outsider da época, e todo esse universo é regado a pôsteres ou action figures de super-heróis, games, e por aí vai. São milhões de referências – das disputas entre fanboys até o cinto de utilidades carregado por Silent Bob. E o roteiro tem o cuidado de nos inserir a esse universo sem fazer com que todos os personagens soem como completos retardados.

Neste, que é o segundo filme passado no View Askewniverse (o primeiro foi “O Balconista”, de 1994), Kevin Smith dá seus primeiros passos com atores como Ben Affleck e Joey Lauren Adams – que viriam a participar de muitos dos seus futuros filmes – e basicamente não investe muito esteticamente. Há até mesmo uma memorável participação do Stan Lee (praticamente o pai da Marvel Comics), em um pequeno e bonito monólogo (e o coroa manda bem como ator).

A trama não oferece muitos desafios – é simplesmente um ensaio para os seus futuros e mais trabalhados filmes – o que não desmerece a obra, que sustenta o seu próprio estilo e consolida Smith nesse gênero do cinema. “Barrados no Shopping” não é de longe o seu melhor filme, mas vale a pena ser assistido, assim como todos os outros que fazem parte do View Askewniverse.

7/10

terça-feira, 24 de maio de 2011

Piratas do Caribe: Navegando em Águas Misteriosas

Pirates of the Caribbean: On Stranger Tides @ 2011 @ dirigido por Rob Marshall



A franquia Piratas do Caribe foi um repentino e bem recebido sucesso para a Disney - é só você parar e pensar que toda a idéia do filme surgiu a partir de uma atração de lá da casa do Mickey. Após uma rentável trilogia, todos não esperavam por mais uma aventura do capitão Jack Sparrow (interpretado por Johnny Depp), mas aí resolvem contratar Rob Marshall (diretor do premiado musical "Chicago"), chamar uma bela estrela para um suposto par romântico (Penélope Cruz, linda como sempre) e tentar, dessa forma, dar um reinício a franquia - que, dessa vez, acaba não sendo tão bem sucedida. (a não ser, claro, que você ache que filme bom é aquele que dá dinheiro)

"Navegando em Águas Misteriosas" começa assim, misteriosamente, com um velho sendo resgatado em alto mar por piratas espanhóis, alertando-os sobre o pirata Barba Negra (Ian McShane). Logo depois, vemos o julgamento de um suposto Jack Sparrow (recurso bem falho esse, já que todos sabem que seria inevitavelmente um impostor), pelas mãos de um juiz muito suspeito (outra cagada). A partir daí, ficamos sabendo que um suposto (sim, mais um) Jack Sparrow está tentando formar uma tripulação, o que desperta a atenção do verdadeiro. Inclua nessa mistura Angelica (Penélope Cruz), antiga amante de Jack, que alega ser filha do Barba Negra, e Barbossa (Geoffrey Rush), antigo antagonista, que agora trabalha à serviço do rei - e se até aqui tudo está muito confuso, pode acreditar que nas telonas a coisa é bem pior - mas, enfim, todos estão buscando uma coisa em comum: a fonte da juventude.

Se nos filmes anteriores, o roteiro conseguia misturar o universo dos piratas com um pouco de mitologia antiga, dessa vez soa muito forçado: para se ter uma idéia, a profecia que move a trama foi dita por um pirata, que segundo o Barba Negra, apenas "enxerga as coisas"; os "zumbis" não lembram em nada suas contrapartes pútridas e as sereias simplesmente não convencem. Pior ainda é a tentativa falha e extremamente acelerada de estabelecer um novo casal dentro da trama. Penelope Cruz é linda, eu sei, mas sua função dentro do filme é absolutamente descartável. E Johnny Depp, que conseguiu uma indicação ao Oscar por esse mesmo papel anos atrás, simplesmete oferece o básico - Jack Sparrow é engraçado, mas está muito repetitivo. Geoffrey Rush, no entanto, consegue salvar seu personagens em algumas situações bem sacadas envolvendo o seu novo modo de vida.

A fotografia é extremamente ruim (o que me deixou espantado!) - na cena em que vemos Penelope Cruz pela primeira vez, por exemplo, a imagem é tão escura que mal conseguimos enxergar o que está acontecendo. As poucas cenas de ação do filme praticamente não empolgam. E eu sinceramente não sei em quais cenas o 3D foi investido, porque recapitulando tudo o que eu vi tenho certeza que o recurso se mostrou extremamente desnecessário. Apesar do péssimo roteiro, boa parte das falhas residem também no fato de terem dado um filme de ação a um diretor acostumado com musicais (e apenas um bom, dentre eles) - Rob Marshall conseguiu deixar o filme entediante: usa planos básicos em muitas cenas, e parece mostrar uma preguiça criativa tremenda, achando que somos obrigados a aceitar o fato.

Com um desfecho ruim, o novo "Piratas do Caribe" simplesmente não causa nada, e apesar de ser o mais curto da série, parece ser o mais longo de tão entediante. Permitir que as excentricidades de um personagem segurem o filme com certeza não é uma idéia de sucesso, e foi justamente o que a Disney e o diretor Rob Marshall fizeram dessa vez, o que confesso, me deixou frustrado - eu gosto bastante da trilogia inicial (em ordem decrescente).

3/10