Beasts of the Southern Wild @ 2012 @ dirigido por Benh Zeitlin
“Indomável Sonhadora” é um dos filmes mais lindos
dessa década. Você pode até achar que é exagero, mas vai ser difícil alguém
conseguir alcançar a sensibilidade e a inocência que o Benh Zeitlin conseguiu
alcançar com essa obra. É como se o Hayao Miyakazi tivesse dirigido um
longa-metragem com atores reais, na linha de “A Viagem de Chihiro”, tendo como
único diferencial entre suas protagonistas o fato de que Hushpuppy consegue ser
ainda mais humana do que a própria Chihiro (que pra mim é um dos personagens
mais inocentes da história do cinema). Essa é a jornada de Hushpuppy frente ao
universo e tudo presente nele. É a jornada de uma menina de seis anos que
precisa amadurecer para enfrentar os perigos do mundo.
O filme é de uma composição de cena impecável, onde
toda a sujeira, toda a lama e todas as cores dos diversos objetos espalhados se
fundem numa espécie de carnaval; tudo nesse filme é muito belo! A fotografia é
impecável e a trilha sonora se encaixa perfeitamente. O filme é quase todo
feito com a câmera na mão, o que confere um ar de docu-drama e realidade ao
projeto.
E os atores. Eu nem sei se posso chama-los de atores?
Cada um deles nos mostra tanta verdade em seus olhares, gestos e palavras que
fica difícil acreditar que todos eles jamais tiveram uma única experiência
cinematográfica sequer. O Wink de Dwight Henry é o resultado de absoluta
entrega ao papel; e até agora me pergunto até onde vai o perfil do próprio ator
e o perfil do personagem; ele é enérgico, raivoso, carinhoso, irreverente – um
retrato claro de uma vida marcada por dor e esperança diante tamanha miséria.
Na Banheira é proibido chorar, e lá eles velam seus mortos com uma bela dose de
cachaça. Dwight Henry é absurdamente convincente – um daqueles tipos hostis e
ao mesmo tempo dóceis que a gente encontra de vez em quando na vida. O “Daddy”
tem seu próprio jeito de amar. Será uma injustiça não vê-lo indicados na
categoria coadjuvante nessa temporada de premiações.
E por falar em premiações, chegamos em Quvenzhané Wallis;
é inacreditável como uma garota que tinha apenas seis anos na época das
gravações consegue nos mostrar tamanha capacidade de atuação. Ela é um pequeno
monstrinho, como toda criança; cheia de toques, de pensamentos, de inocência,
de vontade, de teimosia. A menina carrega o filme nas costas, com seu olhar
firme e seu cabelo emaranhado. Até a narração (coisa que eu não gosto muito) da
garota nos atinge. Alguns críticos a chamaram de “pequena força da natureza”, e
não há como negar tal fato; Wallis é uma revelação, daquelas de encher os olhos
de todos aqueles amantes do cinema. Eu juro que se essa garotinha não for
indicada ao Oscar de melhor atriz eu mesmo vou lá tacar uma bomba no meio da
Academia – ela botou pra f@#$%! Não vai haver ser humano vivo que não queria
saber quem é essa menina depois de ter visto o filme.
A química entre Wallis e Henry é maravilhosa, mesmo
com tantos anos de diferença entre os dois e nenhuma experiência prévia na arte
de atuar. Confesso que chorei como uma criança no ápice dramático do filme, num
momento de total entrega protagonizado por Hushpuppy e seu pai – uma cena linda
e inegavelmente digna de prêmios e comentários. Como é que essa menina
conseguiu isso? Alguém me explica?
Benh Zeitlin, numa direção segura e memorável (que
com certeza alavancará sua carreira monstruosamente), ainda recheia a obra com
fantasia e subjetividade em perfeita simbiose. Palmas para ele, para Quvenzhané
Wallis, para o Dwight Henry, para todos aqueles da Banheira (que povo lindo e
apaixonante!) e para todos que tiveram um dedo na produção desse filme. Um
filme como esse nos faz acreditar que o cinema pode sim ser único, mesmo com
poucos recursos, diante tamanhas produções e blockbusters. Faz acreditar que há
atores por aí com bem mais cacife que muitos no mercado atual.
Que filme lindo! "Indomável Sonhadora"
(acabei até perdendo a antipatia por esse título) é inesquecível, de verdade! Assista
de coração aberto. Recomendadíssimo!
10/10
10/10