O filme já abre em uma sucessão de lindas sequências estilizadas. Enquanto acompanhamos cenas na Terra, vemos também a aproximação de um planeta chamado Melancolia, que passou todo esse tempo escondido atrás do sol. Lars von Trier e a direção de arte do filme conseguem, já nos minutos iniciais, capturar toda a atenção do espectador: somos apresentados a alguns devaneios da protagonista; algumas conseqüências do choque atmosférico entre dois planetas; dentre outros belos planos, mostrados num bem realizado slow-motion. Entramos de vez na história de “Melancolia”.
Escrito e dirigido pelo próprio Lars von Trier, este é, até então, o seu mais belo filme. Belíssimamente fotografado por Manuel Alberto Claro, toda a estética do filme, seja nas cenas mais estilizadas ou nas mais convencionais, é muito bonita – excelente trabalho da direção de arte, que compõe de maneira simétrica, por exemplo, a iluminação e a composição dos elementos de cena que compõem o jardim da mansão onde se passa o casamento. Sim, em “Melancolia”, somos apresentados a um casal de noivos: Justine (Kirsten Dunst) e Michael (Alexander Skarsgård), que já em direção ao matrimônio enfrentam um pequeno problema. Toda a festa está sendo organizada pela irmã de Justine, Claire (Charlotte Gainsbourg), às custas do marido dela, John (Kiefer Sutherland). O núcleo de personagens coadjuvantes inclui também John Hurt como o bem humorado pai das duas, e Charlote Rampling como a amarga mãe. Stellan Skarsgård interpreta o chefe de Justine, que também está no casamento.
O roteiro do filme é bem escrito e bastante original – a história do casamento de uma mulher depressiva às vésperas do fim do mundo. Dividido em duas partes, a primeira se chama “Justine”, e a segunda, “Claire” – deixando bem claro que, apesar de uma gama de significados, o filme enfoca bastante o sentimento fraternal entre as duas irmãs.
* Esses dois parágrafos só devem ser lidos por quem já assistiu.
Na primeira parte do filme, vemos o casamento de Justine – e por um momento, parece que estamos assistindo outro filme. Kirsten Dunst aparece radiante e sorridente, a princípio, mas a primeiro conflito entre seus pais recém divorciados dispara o gatilho emocional que ela carrega por dentro – é quando começamos a constatar sua depressão. A princípio, a maquiagem já não é a mesma, e seu olhar divaga – não demora muito para que vejamos em sua feição que elá está se controlando para não explodir. Não é à toa que esse papel lhe rendeu o prêmio de melhor atriz no Festival de Cannes – é realmente um trabalho excepcional. Enquanto o casamento se desenrola, entretanto, vemos que sua irmã, Claire, está cada vez mais irritada por toda a situação – já que dedicou bastante tempo para agradar sua irmã. Durante toda a celebração, uma estrela no céu parece brilhar de maneira incomum.
Na segunda parte do filme, a depressão de Justine chegou ao limite – e é agora que Claire precisa mostrar todo o seu amor e carinho pela irmã (mas sem deixar de mostrar frustração por tudo que está acontecendo) – ao mesmo tempo, Melancolia, um planeta que estava escondido atrás do sol, entra em rota de colisão com a Terra. Nesse segmento, Justine parece entrar em um estado de aceitação e cinismo, enquanto Claire entre em total desespero, principalmente por temer pelo seu filho, Leo (Cameron Spurr), e pelo fim de tudo.
* A partir daqui, sem mais spoilers.
Intercalando um misto de sentimentos de maneira extremamente verdadeira, Lars von Trier cria mais uma obra-prima. A “melancolia”, que é um estado psíquico ligado a depressão, é usada de maneira alegórica para ilustrar o destino das duas irmãs. Na cena em que Justine vai ao jardim, que está diretamente iluminado pela Lua e por Melancolia, ela diretamente segue para o segundo, como se fosse sim a sua opção ser tomada por tal sentimento. E quando ela deita-se, nua, frente a luz do planeta, é como se ela fosse tomada de vez pelo sentimento, o que leva a sua “conformação” com tudo que está por vir. Quando sua irmã cozinha o prato preferido de Justine, em profunda depressão, ela come um pedaço e chora, dizendo apenas que a comida “tem gosto de cinzas” – uma maneira sensível de ilustrar o sentimento presente naquele momento. Os efeitos especiais do filme também estão muito bons – principalmente quando envolvem as conseqüências da aproximação entre os dois planetas, como choque dos campos gravitacionais e eletromagnéticos, os efeitos na atmosfera, dentre outros.
Com performances excelentes de Kirsten Dunst e Charlotte Gainsbourg, “Melancolia” já se torna um dos melhores filmes do von Trier. Seus minutos finais me mantiveram na cadeira do cinema, e por um momento eu senti ter prendido a respiração – Um desfecho espetacular, para a obra de um diretor que, apesar de todas as controvérsias envolvendo duas declarações, ainda sabe como contar uma linda história.
10/10
Estou morrendo de vontade para ver esse filme e estou profundamente chateado por não ter estreiado por aqui. Li seu texto - menos os spoilers, hehe - e nem preciso comentar que me deixou ainda mais curioso e excitado para ver essa nova obra de von Trier...
ResponderExcluirAbraços!